"Se você não está na Sociedade Alternativa, a Sociedade Alternativa sempre esteve dentro de você."
Tudo começou em 1972, quando Raul Seixas conheceu Paulo Coelho, que na época estava envolvido com Marcelo Motta, líder da sociedade ocultista O.T.O (Ordo Templi Orientis), que era regida pelos escritos do mago Aleister Crowley. Raul tomou a iniciativa de procurá-lo, ao ler um artigo sobre discos voadores numa revista alternativa que Paulo Coelho dirigia, chamada "A Pomba". Tornaram-se parceiros na busca da Sociedade Alternativa e ensinamentos de Aleister Crowley, sendo que Coelho se tornou, também, parceiro musical de Raul, ajudando a compor clássicos como "Eu Nasci Dez Mil Anos Atrás" e "Gita".
Apesar da concepção de Sociedade Alternativa ter se dado em 1974, a dupla já esboçava as idéias de tal Sociedade ainda no álbum Krig-ha, Bandolo!, onde os shows eram verdadeiros espetáculos teatrais e divagações místico-filosóficas. Eles procuravam, cada um à sua maneira, um caminho alternativo - caminho próprio e pleno, um caminho que o establishment nunca poderia oferecer. Como base desses pensamentos ganhou força entre ambos a obra de um dos maiores estudiosos do ocultismo do século XX, Aleister Crowley, fundador da Thelema e co fundador da A∴A∴.
O texto que segue abaixo está no manifesto/gibi A Fundação Krig-Ha, distribuído no primeiro show de Raul em SP em 1973. Escrito por Raul e Paulo Coelho, entre outras pessoas, esse manifesto lança a ideia da Sociedade Alternativa. No ano seguinte, todas as cópias desse manifesto seriam recolhidos pela Polícia Federal e queimados como "material subversivo". Raul foi preso e torturado pelo DOPS sendo "convidado" a se retirar do país. Segundo Raul, ele foi torturado para poder dizer os nomes das pessoas que faziam parte da Sociedade Alternativa, que segundo Geisel, era um movimento revolucionário contra o governo. Então Raul resolveu mentir, dizendo que tinha pacto com o demônio ao invés de dizer que tinha parte com a revolução.
Em uma entrevista, Raul disse o seguinte: "Literalmente é choque no saco. Fui torturado mesmo no governo Geisel. Me pegaram no Aterro do Flamengo, me botaram uma carapuça e fiquei três dias num lugar desconhecido. Aí vieram três pessoas: um bonzinho, outro mais inteligente - que fazia as perguntas – e um mais ‘agreste’, mais violento. Depois me colocaram num aeroporto e fui direto para o Greenwich Village (bairro nova-iorquino)"
PREFÁCIO
Nós vos saudamos, Maria. Nós vos saudamos, José. E nós saudamos os artistas brasileiros que tiveram o silêncio do resto do mundo quando seus trabalhos e seus corpos foram censurados, mutilados, desaparecidos.
MANIFESTO
O espaço é livre. Todos têm direito de ocupar seu espaço.
O tempo é livre. Todos têm que viver em seu tempo, e fazer jus às promessas, esperanças e armadilhas.
A colheita é livre. Todos têm direito de colher e se alimentar do trigo da criação.
A semente é livre. Todos têm o direito de semear suas idéias sem qualquer coerção da INTELEGÊNZIA ou da BURRÍCIA.
Não existe mais a classe dos artistas. Todos nós somos capazes de plantar e de colher. Todos nós vamos mostrar ao mundo e ao Mundo a nossa capacidade de criação.
"Todos nós" somos escritores, donas-de-casa, patrões e empregados, clandestinos e careta, sábios e loucos.
E o grande milagre não será mais ser capaz de andar nas nuvens ou caminhar sobre as águas. O grande milagre será o fato de que todo dia, de manhã até a noite, seremos capazes de caminhar sobre a Terra.
Saudação final do 11° manifesto.
Sucesso a quem ler e guardar este manifesto. Porque nós somos capazes. Todos nós, todos nós somos capazes.
Escrito por: Raul Seixas, Paulo Coelho, Sylvio Passos, Christina Oiticica, Toninho Buda, Ed Cavalcanti.
Retornando ao Brasil pouco mais tarde devido ao sucesso de seu disco Gita. No pioneiro festival de rock Hollywood Rock realizado no verão de 1975 no Rio de Janeiro, Raul leu novamente um manifesto sobre a Sociedade Alternativa, ato que pode ser visto no documentário Ritmo Alucinante lançado no mesmo ano e que registrou o evento.